Um amigo meu nos Estados Unidos
comprou uma casa velha, de mais de um século, conservada, com muitas que por lá
existem. Muitas coisas a serem concertadas. Tudo teria de ser pintado de novo.
Antes de pintar com as cores novas ele achou melhor raspar das paredes a cor
velha, um azul sujo e desbotado. Raspado o azul, debaixo dele surgiu uma cor
rosa, mais velha ainda que o azul. Raspou-a também. Ai apareceu creme, e depois
do creme o branco...
Cada morador havia coberto a cor
anterior com uma cor nova. E assim ele foi indo, pacientemente, camada após
camada. Queria chegar à cor original, que apareceria depois de que todas as
camadas de tinta fossem raspadas. Finalmente o trabalho terminou. E o que
encontrou foi surpresa inesperada que o encheu de alegria. Mais bonito que
qualquer tinta: madeira linda, o maravilhoso pinho de Riga, com nervuras
formando sinuosos arabescos cor de castanha contra um fundo marfim.
Parábola – somos aquela casa. Ao
nascer, somos Pinho de Riga Puro. Mas logo começam as demãos de tinta. Cada um,
pinta sobre nós a cor de sua preferência. Todos são pintores: pais, avós,
professores, padres, pastores. Até que o nosso corpo desaparece. Claro, não é
com tinta e pincel, é com a fala. A tinta são as palavras. Falam, as palavras
grudam no corpo, entram na carne. Ao final nosso corpo está coberto de
tatuagens da cabeça aos pés.
Educados. Que somos? O intervalo
entre o nosso desejo e aquilo que desejos dos outros fizeram de nós.
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